A VERDADE DO EVANGELHO
TEOLOGIA SISTEMÁTICA

Charles Finney

 

AULA 28

CONDIÇÕES PARA ALCANÇARMOS A SANTIFICAÇÃO

 

As condições desta obtenção

1. Um estado de santificação plena nunca pode ser alcançado por uma espera indiferente do tempo de Deus.

2. Não o será, também, por alguma obra da lei ou obras de qualquer espécie executadas na própria força humana, independente da graça de Deus. Com isto não quero dizer que se você estivesse disposto a exercer os seus poderes naturais de forma correta, não poderia de imediato obedecer a lei no exercício de sua força natural e continuar a fazê-lo. Mas quero afirmar que, assim como você, sem a graça de Deus, fica totalmente indisposto a usar de forma correta os seus poderes naturais, de igual modo nenhum esforço que você faça em sua própria força ou independente da graça dEle jamais resultará em santificação plena.

3. Não se alcança, outrossim, por algum esforço direto em sentir-se certo. Muitos passam o tempo em esforços inúteis, forçando-se para viver um estado certo de sentimento. Que seja para sempre entendido que a religião não consiste em mero sentimento, emoção ou afeto involuntário de qualquer tipo. Sentimentos não são o resultado de um esforço direto em busca desses sentimentos. Pelo contrário, são as ações espontâneas da mente, quando ela tem sob seu direto e profundo exame os objetos, verdades, fatos ou realidades correlatos a essas emoções involuntárias.

Tais sentimentos são o estado mais fácil e natural da mente possível sob as circunstâncias em exame. Assim longe de esses sentimentos exigirem um esforço para ser experimentados, exigem, antes, um esforço para evitá-los, quando a mente está ponderando intensamente os objetos da razão, isto porque, neste caso, a tendência natural de tais considerações é produzir esses sentimentos. Isto é tão verdade que, quando as pessoas estão no exercício de tais afetos, não sentem dificuldade em experimentá-los, mas se perguntam como alguém pode deixar de sentir o que sentem. Parece-lhes tão natural, tão fácil e, posso dizer, quase tão inevitável, que muitas vezes sentem e expressam surpresa quando alguém acha difícil praticar os sentimentos de que elas estão conscientes. O curso que muitos indivíduos assumem no tema da religião me deixa admirado. Eles se constituem a si mesmos o centro dos interesses e atenções, o ponto principal em cujo redor suas mentes estão continuamente girando. O seu egoísmo é tão grande que os próprios interesses, felicidade e salvação enchem todo o campo de visão. E com seus pensamentos, ansiedades e almas agrupando ao redor da própria salvação, reclamam de um coração duro, de tal modo que não podem amar a Deus, não se arrependem e não podem crer. Tais indivíduos consideram que o amor a Deus, o arrependimento, a fé e toda a religião consistem em meros sentimentos. Estando cientes de que não se sentem certos, como o expressam, estão mais preocupados consigo mesmos. Essa preocupação só aumenta o embaraço e a dificuldade de praticar o que chamam de afetos certos. Quanto menos sentem, mais tentam sentir -- quanto maiores os esforços que fazem para se sentirem certos, sem terem sucesso, mais são confirmados em seu egoísmo e mais os seus pensamentos se grudam aos seus interesses; e assim ficam a uma distância cada vez maior do estado certo da mente; as suas ansiedades egoístas geram esforços ineficazes, que só aprofundam suas ansiedades. E se nesse estado a morte aparecesse em forma visível diante desses indivíduos, ou a última trombeta soasse e fossem chamados ao julgamento solene, isso só aumentaria a sua perturbação, confirmaria e quase daria onipotência ao seu egoísmo, tornando a sua santificação moralmente impossível. Nunca deve ser esquecido que toda verdadeira religião consiste em estados voluntários da mente, e que o verdadeiro e único modo de alcançar a verdadeira religião é olhar e entender a coisa exata a ser feita e, então, pôr imediatamente em prática o exercício voluntário requerido.

4. Não se alcança, também, a santificação mediante o esforço em obter a graça por obras da lei.

Se esta pergunta fosse proposta a um judeu: "O que farei para realizar as obras de Deus?", ele responderia: "Guarde a lei moral e cerimonial, isto é, guarde os mandamentos".

À mesma pergunta, um arminiano responderia: "Melhore a graça comum e você obterá a graça que converte, ou seja, use os meios da graça de acordo com a melhor luz que você tem e obterá a graça da salvação". Nesta resposta não está suposto que o inquiridor já tenha fé, mas que vive em um estado de incredulidade e está perguntando pela graça que converte. Mas o que ele obtém como ajuda importa simplesmente em adquirir a graça que converte mediante as obras impenitentes; ficar santo mediante a hipocrisia; trabalhar a santificação mediante o pecado.

A esta pergunta, a maioria dos calvinistas professos daria em substância a mesma resposta. Eles rejeitariam a linguagem, enquanto manteriam a idéia. A sua definição implicaria ou que o inquiridor já tem fé, ou que precisa fazer algumas obras para obtê-la, isto é, tem de obter a graça pelas obras da lei.

Um recente escritor calvinista admite que a santificação plena e permanente pode ser alcançada, embora rejeite a idéia da efetiva obtenção de tal estado nesta vida. Ele supõe que a condição para alcançar este estado, ou o modo de alcançá-lo, é por meio do uso diligente dos meios da graça e que os santos são santificados apenas à medida que fazem uso diligente dos meios da santificação. Mas como esse escritor nega que um santo jamais usou ou usará todos os meios com diligência satisfatória, nega também que a santificação plena seja alcançada nesta vida. O modo de alcançá-la, de acordo com o seu ensino, é pelo uso diligente dos meios. Se fosse perguntado a este escritor: "O que farei para realizar as obras de Deus?" Ou, em outras palavras, o que farei para obter a santificação plena e permanente? Sua resposta, me parece, seria: "Use diligentemente todos os meios da graça", isto é, você tem de obter a graça pelas obras, ou, como disse o arminiano, melhore a graça comum e você garantirá a graça santificadora. Nem o arminiano, nem o calvinista dirigiria formalmente o inquiridor para a lei, como base da justificação. Mas quase toda a igreja daria orientações que importariam a mesma coisa. A resposta eclesiástica seria uma resposta da lei e não uma resposta do Evangelho. Pois qualquer resposta dada a esta pergunta, que não reconheça distintamente a fé como condição da santidade permanente, é legal. A menos que seja explicado ao inquiridor que este é o primeiro, principal e fundamental dever, sem o desempenho do qual toda virtude, toda entrega de pecado, toda obediência aceitável é impossível, ele ficará mal informado e será, por isso mesmo, levado a crer que é possível agradar a Deus sem fé e obter a graça pelas obras da lei. Há apenas dois tipos de obras -- as obras da lei e as obras da fé. Se o inquiridor não tem a "fé que opera por amor" (Gl 5.6) para afastá-lo do caminho das obras como forma de obter essa fé, sem dúvida tentará obtê-la pelas obras da lei. Tudo o que lhe é dito sem transmitir-lhe a verdade com clareza, que a justificação e a santificação ocorrem pela pela fé, sem as obras da lei, é lei e não Evangelho. Sem fé, ninguém pode fazer nada que não sejam obras da lei. Então, o primeiro dever do indivíduo é ter fé, mas toda tentativa de obtê-la por meio de obras descrentes é colocar obras na fundação e tornar a graça um resultado. É o oposto direto da verdade do Evangelho.

Tome os fatos à medida que surgem na experiência do dia-a-dia e observe que o que declarei é verdade a respeito de quase todos os crentes e não crentes. Sempre que um pecador começa resolutamente a debater a questão: "Que é necessário que eu faça para me salvar?" (At 16.30), ele resolve, como sua primeira obrigação, romper com os pecados, mas em incredulidade. Claro que essa reforma é apenas exterior. Ele determina melhorar -- reformar isto e aquilo, e assim se prepara para converter-se. Ele não espera ser salvo sem graça e fé, mas tenta adquirir graça pelas obras da lei. O mesmo é verdade das multidões de cristãos ansiosos que perguntam o que farão para vencer o mundo, a carne e o diabo. Eles negligenciam o fato de que "esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé" (1 Jo 5.4); que é com "o escudo da fé" que vão "apagar todos os dardos inflamados do maligno" (Ef 6.16). Por isso, perguntam: Por que sou vencido pelo pecado? Por que não posso estar acima do seu poder? Por que sou escravo dos meus apetites e paixões e das garras do diabo? Tais cristãos esquadrinham a causa de toda esta miséria e morte espiritual. Num momento, pensam que a descobriram na negligência de um dever, em outro momento, na negligência de outros deveres. Às vezes imaginam ter descoberto a causa para mentir entregando-se a uma tentação; às vezes, entregando-se a outra. Eles imprimem esforços nesta ou naquela direção e, de um lado, remendam sua justiça, enquanto, de outro, fazem um buraco. Assim, passam anos correndo em círculos e colocando sacos de areia contra a correnteza de seus hábitos e tendências. Em vez de purificar de uma vez os corações pela fé, se engajam em tentar conter o transbordamento das águas amargas de suas inclinações. Por que peco? -- perguntam-se. E procurando aqui e ali a causa, chegam à séria conclusão: É porque negligencio tal dever. Mas como me livro do pecado? Resposta: Cumprindo com o meu dever, ou seja, deixando de pecar. Mas a verdadeira questão é: Por que tais cristãos negligenciam o dever? Por que cometem pecado? Onde está o fundamento de tudo isso? Alguém pode responder que o fundamento de toda essa maldade é a força da tentação -- a fraqueza de nossos corações -- a força de nossas inclinações e maus hábitos. Mas tudo isso só nos devolve outra vez à verdadeira questão: Como estas coisas devem ser vencidas? Respondo: somente pela fé. Nenhuma obra da lei tem o menor pendor para vencer nossos pecados, antes, confirma a alma no farisaísmo e incredulidade.

O grande e fundamental pecado que se constitui o fundamento de todos os outros é a incredulidade. A primeira coisa, portanto, é abandoná-la -- crer na Palavra de Deus. Não há rompimento com o pecado sem essa atitude. "Tudo o que não é de fé é pecado" (Rm 14.23). "Sem fé é impossível agradar-lhe [a Deus]" (Hb 11.6). Assim vemos que o apóstata e o pecador convicto, quando agonizantes para vencer o pecado, quase sempre recorrerão as obras da lei para obter fé. Eles jejuarão, orarão, lerão, lutarão, farão reformas exteriores e assim se esforçarão para obter graça. Tudo isso é vão e errado. Você pergunta: Não jejuaremos, oraremos, leremos e lutaremos? Não faremos nada senão nos sentarmos em segurança antinomiana e inação? Respondo: Você tem de fazer tudo o que Deus lhe ordena que faça, mas comece por onde Ele lhe diz para começar e faça-o da maneira pela qual lhe ordena que faça, ou seja, no exercício daquela fé que opera por amor. Purifique os corações pela fé. Creia no Filho de Deus. E não diga em seu coração: "Quem descerá ao abismo (isto é, a tornar a trazer dentre os mortos a Cristo)? Mas que diz? A palavra está junto de ti, na tua boca e no teu coração; esta é a palavra da fé, que pregamos" (Rm 10.7,8). Estes fatos mostram que até sob o Evangelho quase todos os religiosos, enquanto rejeitam a noção judaica de justificação por obras da lei, adotam, no final das contas, um substituto ruinoso para essa noção e supõem que, de algum modo, vão obter graça por suas obras.

5. Um estado de santificação plena não pode ser alcançado, tentando-se copiar a experiência dos outros. E muito comum que pecadores convictos ou cristãos em busca da santificação plena, peçam em sua cegueira que outros relatem sua experiência com o propósito de anotar minuciosamente os detalhes para então se colocarem em oração e fazer esforços diretos para alcançar a mesma classe de práticas, não entendendo que não podem praticar sentimentos alheios em detalhes mais do que podem parecer-se com os outros. Como os semblantes humanos, as experiências humanas diferem. A história de um antigo estado de mente de alguém tem o poder de modificar a experiência presente e futura desse indivíduo; assim a precisa sucessão de sentimentos que pode ser exigida em seu caso, e que na verdade ocorrerá se você for santificado, não coincidirá em todos os detalhes com as práticas de outra pessoa. É de grande importância que entenda este fato: você não pode tornar-se um copista de qualquer experiência religiosa verdadeira, e que está em grande perigo de ser enganado por Satanás sempre que tentar copiar a experiência dos outros. Eu lhe peço que deixe de orar para obter ou tentar obter a experiência exata de quem quer que seja. Todas as experiências verdadeiramente cristãs, assim como os semblantes humanos, são, nos seus contornos, semelhantes no que tange a serem prontamente reconhecidas como as características da religião de Jesus Cristo. Porém, não mais do que isto; não mais do que os semblantes humanos são semelhantes.

Mas seja lembrado que a santificação não consiste nos vários afetos ou emoções dos quais os cristãos falam, e que muitas vezes, por engano, são aceitos ou confundidos com a verdadeira religião; a santificação consiste em consagração plena e, por conseguinte, é inapropriado alguém tentar copiar os sentimentos dos outros, já que os sentimentos não constituem religião. Os sentimentos dos quais os cristãos falam não constituem a verdadeira religião, mas resultam de um estado de coração. Estes sentimentos podem ser corretamente apresentados como experiência cristã, pois, embora sejam estados involuntários da mente, são experimentados por verdadeiros cristãos. O único modo de garanti-los é consertar a vontade e as emoções serão um resultado natural.

6. Um estado de santificação plena não pode ser alcançado mediante preparações feitas antes de você chegar a esse estado. Note que a coisa sobre a qual você está inquirindo é um estado de consagração plena a Deus. Não imagine que esse estado de mente deva ser prefaciado por longa introdução de práticas preparatórias. E comum os indivíduos, quando inquiridos com seriedade sobre o assunto, julgarem-se impedidos neste progresso por desejar isto ou aquilo, ou outra prática ou mesmo um estado de mente. Eles procuram em todos os lugares, menos na real dificuldade. Apontam qualquer coisa e todas as coisas, menos a verdadeira razão para não estarem vivendo um estado de santificação. A verdadeira dificuldade é o egoísmo voluntário ou a consagração voluntária ao interesse pessoal e à presunção. Esta é a dificuldade, a única dificuldade a ser vencida.

7. Não é participando de cultos, pedindo orações de outros cristãos ou de qualquer maneira dependendo de meios que se chega a esse estado de santificação. Com isso não quero afirmar que os meios sejam desnecessários, ou que não seja pela instrumentalidade da verdade que esse estado da mente é induzido. Mas quero deixar claro que, enquanto você está dependendo de alguma instrumentalidade, sua mente é desviada do verdadeiro ponto diante de você, sendo provável que nunca consiga essa obtenção.

8. Não é também esperando alguma visão particular de Cristo. Quando as pessoas no estado de mente sobre o qual estou falando ouvem aqueles que vivem em fé, descrevendo as visões que têm de Cristo, dizem: Se eu tivesse tal visão, creria; tenho de ter essa visão para que eu creia. Mas você deve entender que essas visões são o resultado e efeito da fé na promessa do Espírito. É como tomar as coisas de Cristo e mostrá-las a você. Tome posse desta classe de promessas e o Espírito Santo lhe revelará Cristo nas circunstâncias em que você precisa dEle de tempo em tempo. Tome posse da promessa simples de Deus. Aceite a palavra de Deus. Creia que Ele quer dizer o que diz e isto o levará imediatamente ao estado de mente pelo qual você inquire.

9. Não é, outrossim, por alguma forma que você possa determinar por si mesmo. As pessoas em estado de inquirição são muito hábeis -- sem parecer estarem cientes disso -- em levar a imaginação adiante, demarcar o caminho e fincar uma bandeira onde pretendem sair. Elas esperam ser assim e assim exercitados -- ter essas e aquelas visões, bem como sentimentos peculiares quando atingirem o objetivo que desejam. Provavelmente nunca houve alguém que não tenha ficado desapontado com esses pormenores. Deus diz: "E guiarei os cegos por um caminho que nunca conheceram, fá-los-ei caminhar por veredas que não conheceram; tornarei as trevas em luz perante eles e as coisas tortas farei direitas. Essas coisas lhes farei e nunca os desampararei" (Is 42.16). Este sofrimento de sua imaginação para demarcar o caminho lhe é um grande impedimento, à medida que o instiga a fazer muitas tentativas infrutíferas e até piores do que isso para alcançar esse estado imaginário de mente, desperdiça muito do seu tempo, cansa grandemente a paciência e agrava o Espírito de Deus. Enquanto Ele está procurando levá-lo direto ao ponto, você se está desviando do curso e insistindo que aquilo demarcado por sua imaginação é o caminho, em vez daquilo ao qual Ele está tentando levá-lo. E assim em seu orgulho e ignorância, você está causando muito atraso e abusando da paciência de Deus. Ele diz: "Este é o caminho; andai nele" (Is 30.21). Mas você diz: Não -- o caminho é este. E assim você pára, conferência e caçoa, enquanto que em todo o momento está correndo o perigo de agravar o Espírito de Deus e perder sua alma.

Se há algo em sua imaginação que definitivamente o fixou em algum modo, tempo, lugar ou circunstância particular, você irá, com toda a probabilidade, ou ser enganado pelo diabo, ou ficar desapontado por completo com o resultado. Você descobrirá em todos esses itens particulares aos quais você deu importância que a sabedoria do homem é tolice para Deus -- que os caminhos do homem não são os caminhos de Deus, nem os pensamentos do homem os pensamentos de Deus. "Porque, assim como os céus são mais altos do que a terra, assim são os meus caminhos mais altos do que os vossos caminhos, e os meus pensamentos, mais altos do que os vossos pensamentos" (Is 55.9). Mas:

10. Esse estado de santificação plena deve ser alcançado somente pela fé. Que seja lembrado para sempre: "sem fé é impossível agradar-lhe [a Deus]" (Hb 11.6) e "tudo o que não é de fé é pecado" (Rm 14.23). A justificação e a santificação são apenas pela fé. "Se Deus é um só, que justifica, pela fé, a

circuncisão e, por meio da fé, a incircuncisão" (Rm 3.30), e: "Sendo, pois, justificados pela fé, temos paz com Deus por nosso Senhor Jesus Cristo" (Rm 5.1). Também: "Que diremos, pois? Que os gentios, que não buscavam a justiça, alcançaram a justiça? Sim, mas a justiça que é pela fé. Mas Israel, que buscava a lei da justiça, não chegou à lei da justiça" (Rm 9.30,31).

Mas que de nenhuma maneira seja entendido que eu esteja ensinando a santificação pela fé como distinta e oposta à santificação pelo Espírito Santo ou Espírito de Cristo, ou -- o que é a mesma coisa-- a nossa santificação por Cristo, vivendo e reinando no coração. A fé é, antes, o instrumento ou condição, ao invés de agente eficiente que induz um estado de santificação presente e permanente. A fé recebe Cristo, como Rei, para viver e reinar na alma. E Cristo, no exercício dos seus diferentes ofícios e empossado em suas diferentes relações com os desejos da alma, que, pela fé, afiança a nossa santificação. Ele faz isso revelando à alma suas perfeições e abundância divinas. O alvo dessas revelações é fé e obediência. Ele diz: "Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, este é o que me ama; e aquele que me ama será amado de meu Pai, e eu o amarei e me manifestarei a ele. Disse-lhe Judas (não o Iscariotes): Senhor, de onde vem que te hás de manifestar a nós e não ao mundo? Jesus respondeu e disse-lhe: Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e meu Pai o amará, e viremos para ele e faremos nele morada" (Jo 14.21-23).

Temos de considerar quais são as tentações que nos vencem para averiguarmos as condições da santificação plena nesta vida. Quando nos convertemos, vimos que o coração (ou a vontade) se consagra a si mesmo e o ser inteiro a Deus. Vimos, também, que este é um estado de benevolência desinteressada, ou uma entrega do ser inteiro à promoção do bem maior. Vimos, ainda, que todo o pecado é egoísmo, ou que todo o pecado consiste na vontade de buscar a indulgência ou a satisfação do ego; que consiste na entrega da vontade à obediência das próprias inclinações, em vez de obedecer a Deus, conforme a sua lei é revelada na razão. Quem não pode ver o que precisa ser feito para quebrar o poder da tentação e deixar a alma livre? O fato é que o setor de nossa sensibilidade relacionado aos objetos de tempo e sentido desenvolveu-se de forma ampla e está extremamente sensível a todos os objetos correlatas, ao passo que, por causa da cegueira da mente aos objetos espirituais, desenvolveu-se escassamente em suas relações com esses objetos. Estes raras vezes são pensados pela mente carnal e quando o são, ficam apenas nisso; são apenas pensados. Não são vistos com clareza e, naturalmente, não são sentidos.

O pensamento de Deus, de Cristo, do pecado, da santidade, do céu e do inferno provoca pouca ou nenhuma emoção à mente carnal. A mente carnal está viva e desperta aos objetos terrestres e sensatos, mas morta às realidades espirituais. O mundo espiritual precisa ser revelado à alma. A alma precisa ver e claramente apreender sua condição espiritual, suas relações e desejos. Precisa estar familiarizada com Deus e Cristo, ter as realidades espirituais e eternas aclaradas, bem como as realidades presentes. Precisa de tais revelações do mundo eterno, da natureza e culpa do pecado, sobretudo de Cristo, o remédio da alma, no que tange a mortificar a luxúria ou os apetites e paixões nas relações com os objetos do tempo e sentido, como também desenvolver inteiramente a sensibilidade nas relações com o pecado, com Deus e com o círculo completo das realidades espirituais. Isto vai em muito enfraquecer a freqüência e o poder da tentação sobre o desejo de buscar a auto-satisfação, além de quebrar a escravidão voluntária da vontade. Os desenvolvimentos da sensibilidade precisam ser corrigidos na íntegra. Algo que só pode ser feito pela revelação ao homem interior, através do Espírito Santo, daquelas realidades grandes, solenes e dominantes da "terra do espírito", que jazem ocultas aos olhos da carne.

Vemos pessoas ao nosso redor que desenvolveram tamanha sensibilidade numa área a ponto de serem levadas cativas naquele sentido pelo apetite e paixão, apesar da razão e de Deus. O bêbado, o glutão, o licencioso, o avarento são exemplos disto. Por outro lado, às vezes, por alguma providência notável, vemos indivíduos desenvolverem a sensibilidade na direção oposta no que tange a vencer e abater essas tendências particulares de tal modo que o propósito da vida parece mudado -- ao menos no aspecto exterior. Ao invés de serem escravos perfeitos ao apetite de bebidas fortes, não podem, sem sentir extremo asco e repugnância, nem ouvir falar o nome da bebida outrora preferida. Ao invés de serem muito avarentos, sentem profundo aborrecimento pela riqueza a tal ponto que a rejeitam e menosprezam. Tais sentimentos são apenas fruto do desenvolvimento da sensibilidade na direção oposta, pois, nos caso supostos, a religião não tem nada a ver com as transformações. A religião não consiste nos estados da sensibilidade, nem na vontade ser influenciada pela sensibilidade; mas o pecado consiste na vontade ser assim influenciada. Uma grande coisa que precisa ser feita para confirmar e estabelecer a vontade na atitude de consagração plena a Deus é provocar um desenvolvimento oposto da sensibilidade, de forma que ela não afaste a vontade do homem da vontade de Deus. Essa vontade precisa ser mortificada ou crucificada ao mundo, aos objetos do tempo e sentido, por uma revelação tão profunda, clara e poderosa de Cristo para a alma a fim de despertar e desenvolver todas as suscetibilidades do homem nas suas relações com o Senhor e as realidades espirituais e divinas. Isto pode ser feito facilmente pelo Espírito Santo, que

toma as coisas de Cristo e no-las revela. Assim Ele revela Cristo para que a alma o receba no trono do coração para reinar em todo o ser. Quando a vontade, o intelecto e a sensibilidade se entregam a Cristo, Ele desenvolve a inteligência e a sensibilidade mediante revelações claras em todos os seus ofícios e relações com a alma, bem como confirma a vontade, amadurece e disciplina a sensibilidade mediante essas revelações divinas à inteligência.

Precisamos da luz do Espírito Santo para nos ensinar o caráter de Deus, a natureza do seu governo, a pureza da sua lei, a necessidade e o fato da expiação -- para nos ensinar nossa necessidade de Cristo em todos os seus ofícios e relações, sejam elas governativas, espirituais ou mistas. Precisamos da revelação de Cristo às nossas almas com tal poder a fim de induzir em nós aquela fé peculiar sem a qual Cristo não é e não pode ser a nossa salvação. Precisamos conhecer Cristo, por exemplo, nas seguintes relações conosco:

1. Como Rei, para fundar o seu governo e escrever a sua lei em nossos corações, para estabelecer o seu Reino em nossas vidas, para empunhar o seu cetro sobre todo o nosso ser. Como Rei, Cristo deve ser espiritualmente revelado e recebido.

2. Como nosso Mediador para ficar entre a justiça ofendida de Deus e a nossa alma culpada a fim de promover a reconciliação entre nossa alma e Deus. Como mediador, Cristo deve ser conhecido e recebido.

3. Como nosso Advogado ou paracletos, o nosso mais próximo ou melhor amigo, para pleitear nossa causa com o Pai, nosso Defensor justo e todo prevalecente para garantir o triunfo de nossa causa no tribunal de Deus. Nesta relação, Cristo tem de ser apreendido e aceito.

4. Como nosso Redentor, para nos redimir da maldição da lei e do poder e domínio do pecado, para pagar o preço exigido pela justiça pública para a nossa libertação e para vencer e nos libertar para sempre de nossa escravidão espiritual. Também nesta relação temos de conhecer a Cristo e percebê-lo pela fé.

5. Como a propiciação pelos nossos pecados, para oferecer-se a si mesmo como propiciatório ou oferta por nossos pecados. A apreensão de Cristo como aquele que faz expiação pelos nossos pecados parece ser indispensável à nutrição de uma saudável esperança de vida eterna. Com certeza não é saudável para a alma temer a misericórdia de Deus sem considerar as condições de sua prática. E algo que não marca suficientemente a alma com um senso da justiça e santidade de Deus, da culpa e do castigo do pecado. Se a alma, como condição do perdão, não levar em conta que a severidade da justiça divina evidenciou a exigência de que o pecado seja reconhecido no Universo como merecedor da ira e maldição de Deus, não sentir-se-á suficientemente tocada, nem humilhada até o mais profundo pó para aceitar que Deus lhe estende o per-

dão. É notável e merecedor de toda a consideração que aqueles que negam a expiação tornam o pecado uma ninharia, em termos comparativos, e parecem considerar a benevolência ou o amor de Deus como uma boa natureza, em vez de -- como o é --"um fogo que consome" (Dt 4.24) a todos os obreiros da iniqüidade. Nada produz esse terror de Deus, esse temor e medo santo do pecado, esse espírito auto-humilhante e justificador de Deus do que uma plena apreensão da expiação de Cristo. Nada pode gerar esse espírito de renúncia, de estarmos separados para Cristo e refugiados no seu sangue. Nestas relações, Cristo deve ser revelado, apreendido e aceito como a condição de nossa santificação plena.

É, portanto, obra do Espírito Santo revelar a morte de Jesus em suas relações com os nossos pecados individuais e na forma como essa morte está relacionada com os nossos pecados na qualidade de indivíduos. A alma precisa apreender Cristo como aquele que foi crucificado em nosso lugar. Uma coisa é a alma considerar a morte de Cristo como a mera morte de um mártir, outra coisa infinitamente diferente, como todos os que tiveram a experiência o sabem, é apreender a morte de Cristo como um real e verdadeiro sacrifício vicário por nossos pecados, como sendo verdadeiramente um substituto de nossa morte. A alma precisa apreender Cristo como aquele que sofreu na cruz em seu lugar, ou como seu substituto, de modo que possa dizer: "Esse sacrifício foi feito por mim. Esse sofrimento e essa morte aconteceram por meus pecados. Esse bendito Cordeiro foi morto por meus pecados". Se essa apreensão e apropriação de Cristo não vence o pecado em nossa vida, então quem o vence?

6. Precisamos, também, conhecer Cristo como aquele que ressuscitou para nossa justificação. Ele ressuscitou e vive para obter nossa segura absolvição ou nosso perdão e aceitação completos a Deus. Precisamos saber que Ele vive e é nossa justificação para rompermos com a escravidão dos motivos legais e vencermos todo medo egoísta, para destruirmos o poder da tentação proveniente desta fonte. A alma claramente convicta é muitas vezes tentada ao desânimo e incredulidade, a desesperar-se de sua aceitação diante de Deus e certamente cairia na escravidão do medo, não fosse a fé em Cristo como Salvador ressurreto, vivo e justificador. Neste relacionamento, como condição para permanecer em um estado de consagração desinteressada a Deus, a alma precisa apreender com clareza a verdade e apropriar-se inteiramente de Cristo em sua perfeição.

7. Precisamos, também, ter Cristo revelado como aquele que carregou nossos pesares e sofrimentos. A apreensão clara de Cristo como aquele que se fez aflito por nós e se curvou sob o peso de sofrimentos e pesares que, em justiça, nos pertenciam, tende a tornar de imediato o pecado indescritivelmente odioso e Cristo infinitamente precioso para as nossas almas. A idéia de Cristo nosso substituto precisa ser inteiramente desenvolvida em nossa mente. E esta relação de Cristo conosco precisa nos ser tão claramente revelada a fim de tornar-se uma realidade presente para nós. Precisamos ter Cristo revelado tão inteiramente a fim de extasiar e monopolizar nossos afetos de tal maneira que preferiremos morrer de imediato ao invés de pecar contra Ele. Tal coisa é impossível? Realmente não. Será que o Espírito Santo não é capaz, não está disposto e pronto para revelá-lo, sob a condição de o pedirmos pela fé? Seguramente que sim.

Precisamos apreender Cristo como aquele por cujas pisaduras fomos sarados. Precisamos conhecê-lo como aquele que aliviou nossas dores e sofrimentos mediante as suas dores e sofrimentos, como aquele que evitou nossa morte pela sua morte, como aquele que se entristeceu para que nos regozijemos eternamente, como aquele que foi afligido para que sejamos indescritível e eternamente satisfeitos, como aquele que morreu em agonia indizível para que morramos em paz profunda e em triunfo inarrável.

8. Cristo se "fez pecado por nós" (2 Co 5.21). Precisamos apreendê-lo como aquele que é tratado como pecador e até como o chefe dos pecadores por nossa causa e em nosso lugar. E assim que as Escrituras o representam: Cristo por nossa culpa foi tratado como se fosse pecador. Ele foi feito pecado por nós, isto é, foi tratado como pecador, ou, antes, como sendo o representante, ou como se estivesse incorporando o nosso pecado. A alma precisa apreender que o santo Jesus foi tratado como pecador e como se todo o pecado estivesse concentrado nEle por causa de nós! Obtivemos este tratamento de Cristo. Ele consentiu em tomar o nosso lugar no sentido de suportar a cruz e a maldição da lei. Quando a alma apreende isto, está pronta para morrer com pesar e amor. Imagine o quanto a alma infinitamente se abomina sob tamanha apreensão! Neste relacionamento, Cristo deve não apenas ser temido, mas apropriado pela fé.

Precisamos, também, apreender o fato de que "àquele que não conheceu pecado, o fez pecado por nós; para que, nele, fôssemos feitos justiça de Deus" (2 Co 5.21), ou seja, que Cristo foi tratado como pecador para que sejamos tratados como justos; que também sejamos feitos pessoalmente justos pela fé nEle; que herdemos e nos tornemos participantes da justiça de Deus conforme a que foi revelada em Cristo; que nEle e por Ele sejamos feitos justos como Deus é justo. A alma precisa, pela fé, abraçar e tomar posse da justiça de Deus trazida aos santos em Cristo pela expiação e pela habitação do Espírito.

9. Precisamos, outrossim, de Cristo revelado ao ser interior "como cabeça da igreja" (Ef 1.22). Todas estas relações não são de nenhum proveito para a nossa santificação, senão na medida em que elas sejam direta, interior e pessoalmente reveladas à alma pelo Espírito Santo. Uma coisa é termos pensamentos, idéias e opiniões relativas a Cristo, outra completamente diferente é conhecermos Cristo conforme é revelado pelo Espírito Santo. Todas as relações de Cristo implicam necessidades correspondentes em nós. Quando o Espírito Santo não só nos revelou a necessidade, mas revelou Cristo como exatamente adequado para satisfazer totalmente essa necessidade, e exortou-nos a aceitarmos essa relação até que, finalmente, nos apropriamos de Cristo pela fé, uma grande obra foi realizada. Mas enquanto não somos revelados e Cristo seja aceito por nós, isto nada mais é do que encher nossas cabeças com noções, opiniões e teorias, ao mesmo tempo em que nossos corações se tornam cada vez mais como a dura pedra. Muitas vezes tenho estado temeroso de que muitos cristãos professos só conheçam Cristo somente segundo a carne, isto é, não têm outro conhecimento de Cristo senão o que obtêm lendo e ouvindo falar sobre Ele, sem qualquer revelação especial dEle feita pelo Espírito Santo ao ser interior. Não me admira que tais adeptos e ministros possam estar totalmente na escuridão sobre o assunto da santificação plena nesta vida. Eles consideram que a santificação foi ocasionada pela formação de hábitos santos, em vez de ser o resultado da revelação de Cristo à alma em toda sua abundância e suas relações; da renúncia da alma de si mesma e da conseqüente apropriação de Cristo nessas relações. Cristo é representado na Bíblia como a cabeça da igreja. A Igreja é representada como o seu Corpo. Ele é para a igreja o que a cabeça o é para o corpo. A cabeça é o assento do intelecto, da vontade e, em suma, da alma vivente. Considere o que seria o corpo sem a cabeça e você entenderá o que seria a igreja sem Cristo. Mas assim como a igreja estaria sem Cristo, assim cada crente estaria sem Cristo. Precisamos ter nossas necessidades a esse respeito claramente reveladas a nós pelo Espírito Santo e, assim, essa relação de Cristo conosco tornará clara a nossa apreensão. A escuridão absoluta da mente humana com relação ao seu estado espiritual e seus desejos, como também a respeito das relações e abundância de Cristo, é verdadeiramente espantosa. As relações de Cristo, como mencionadas na Bíblia, são quase completamente negligenciadas até que nossos desejos sejam descobertos. Quando estes são conhecidos e a alma começa resolutamente a buscar um remédio, não precisa perguntar em vão. "Não digas em teu coração: Quem subirá ao céu (isto é, a trazer do alto a Cristo)? Ou: Quem descerá ao abismo (isto é, a tornar a trazer dentre os mortos a Cristo)? Mas que diz? A palavra está junto de ti, na tua boca e no teu coração; esta é a palavra da fé, que pregamos" (Rm 10.8).

O quão infinitamente cego à abundância e glória de Cristo é aquele que não se conhece a si mesmo e Cristo como ambos são revelados pelo Espírito Santo. Quando formos conduzidos pelo Espírito Santo a olhar para baixo, ao abismo de nossa própria vazio -- para vermos a cova horrível e lodosa de nossos hábitos e embaraços carnais, mundanos e infernais; quando virmos sob a luz de Deus que nosso vazio e nossas necessidades são infinitos, então e somente então estaremos preparados para rejeitar inteiramente o ego e receber Cristo. A glória e plenitude de Cristo não são reveladas à alma até que ela descubra sua necessidade dEle. Mas quando o ego, em toda a sua repugnância e impotência, é revelado completamente, até que a esperança seja totalmente extinta no que respeita a todo tipo e grau de ajuda em nós mesmos; e quando Cristo, o tudo em todos, é revelado à alma como sua porção todo-suficiente e salvação, então e somente então a alma encontra salvação. Este conhecimento é a condição indispensável da apropriação da fé, ou daquele ato de receber Cristo, ou daquela entrega de tudo a Ele, que recebe Cristo para morar no coração pela fé e presidir sobre todos os estados e ações. Tal conhecimento, aceitação e recebimento de Cristo são abençoadores. Feliz aquele que conhece isto por experiência própria.

É indispensável a uma fé firme e implícita que a alma tenha uma apreensão espiritual do que está implícito na afirmação de Cristo de que todo o poder lhe foi entregue. A capacidade de Cristo de fazer tudo e até de exceder abundantemente acima de tudo o que pedimos ou pensamos, é o que a alma precisa apreender. Não se trata de uma apreensão teórica, mas de captar a verdadeira importância espiritual dessa declaração. Isto também é igualmente verdade de tudo o que está dito na Bíblia sobre Cristo a respeito de todos os seus ofícios e relações. Uma coisa é teorizar, especular, opinar sobre Cristo, outra infinitamente diferente é conhecê-lo como é revelado pelo Espírito Santo. Quando Cristo é revelado completamente à alma pelo Confortador, ela nunca mais duvidará do alcance e realidade da santificação plena nesta vida.

Quando pecamos, é por causa de nossa ignorância de Cristo. Quer dizer, sempre que a tentação nos vence, é porque não sabemos e não nos aproveitamos da relação de Cristo que satisfaria nossas necessidades. Uma grande coisa que precisa ser feita é corrigir os desenvolvimentos de nossa sensibilidade. Os apetites e paixões se desenvolvem de forma tamanha quando se relacionam com os objetos terrestres. Quanto às coisas do tempo e sentido, nossas inclinações são grandemente desenvolvidas e permanecem vivas, mas no que tange às verdades e objetos espirituais, bem como às realidades eternas, estamos naturalmente tão mortos quanto pedras. Quando nos convertemos, se soubéssemos o bastante sobre nós mesmos e sobre Cristo a fim de desenvolver e corrigir a ação da sensibilidade e confirmar nossas vontades em um estado de consagração plena, não cairíamos. A proporção que as obras da lei precedentes à conversão acabaram, e a revelação de Cristo na conversão ou imediatamente subseqüente a ela se tornou completa e clara, só nessa proporção testemunhamos a estabilidade no convertido. Na maioria das vezes, se não em todas as instâncias, o convertido é muito ignorante de si mesmo e sabe muito pouco a respeito de Cristo para ser estabelecido em obediência permanente. Ele precisa de renovada convicção de pecado, revelada a si mesmo, bem como da revelação do próprio Cristo, a fim de que seja formada em sua alma a esperança da glória, antes que seja firme e sempre abundante na obra do Senhor.

Não deve ser deduzido que o conhecimento de Cristo em todas essas relações seja uma condição de nossa chegada a um estado de consagração plena a Deus, ou da santificação presente. O fato a ser insistido é que a alma permanecerá nesse estado de santidade, na hora da tentação, somente à medida que recorre a Cristo em tais circunstâncias de prova e pela fé apreende-o e apropria-se dEle, todo o tempo, nessas relações que satisfazem as necessidades presentes e urgentes da alma. A tentação é o momento em que se revela a necessidade. O Espírito Santo sempre está pronto a revelar Cristo na relação particular adequada a essa necessidade recém descoberta. Perceber e apropriar-se de Cristo nesta relação, sob tais circunstâncias de tentação, são osine qua non de nossa permanência no estado de consagração plena.

O precedente são algumas das relações que Cristo nos sustenta quanto à nossa salvação. Como você percebe, eu poderia ter falado muito mais sobre cada uma dessas relações e facilmente aumentado o volume desta parte de nosso estudo. Eu só toquei nessas relações como exemplos da maneira pela qual Cristo é apresentado na Bíblia para a nossa aceitação mediante o poder do Espírito Santo. Não me entenda que eu esteja ensinando o dever de primeiro conhecer Cristo em todas essas relações antes que sejamos santificados. O fato pretendido neste estudo é que conhecer Cristo nessas relações é uma condição, ou meio indispensável de nossa firmeza ou perseverança na santidade sob tentação, porém, quando de tempos em tempos somos tentados nada nos pode garantir contra uma queda, senão a revelação de Cristo à alma nessas relações, uma depois da outra, e a nossa apropriação de Cristo para nós mesmos pela fé. Em todas as tentações, o Evangelho promete abrir um caminho de escape, de forma que possamos suportá-las. O espírito desta promessa empenha-nos a uma tal revelação de Cristo a fim de garantir nossa posição, se tomarmos posse dEle pela fé, segundo está revelado. Nossas circunstâncias de tentação tornam necessário que em um momento apreendamos Cristo numa relação, em outro momento, noutra. Por exemplo, em um momento somos tentados a nos desesperar porque Satanás nos acusa de pecado e nos sugere que nossos pecados são muito grandes para serem perdoados. Neste caso precisamos de uma revelação e uma apropriação de Cristo como aquele que se fez pecado por nós, ou seja, como aquele que fez expiação por nossos pecados -- como aquele que é a nossa justificação ou justiça. Isto sustentará a confiança de nossa alma e preservará a nossa paz.

Em outro momento, somos tentados a nos desesperar por nunca vencermos nossas tendências em pecar e abandonar nossa santificação como algo irrealizável. Neste caso, precisamos de uma revelação de Cristo como nossa santificação.

Em outro momento, a alma é hostilizada com a visão da grande sutileza e sagacidade de seus inimigos espirituais, e terrivelmente tentada a se desesperar por conta disso. Nessa hora a alma precisa conhecer Cristo como sua sabedoria.

Em outra conjuntura, somos tentados ao desânimo por causa do grande número e força de nossos adversários. Em tal ocasião precisamos de Cristo revelado como o Deus poderoso, como a torre forte, o lugar seguro, a nossa munição de pedras.

Em outra circunstância somos oprimidos por um senso da infinita santidade de Deus e da infinita distância que há entre nós e Deus, por causa de nossa pecaminosidade e da infinita santidade de Deus e por causa de sua infinita aversão ao pecado e aos pecadores. Em momentos assim, precisamos conhecer Cristo como nossa justiça e como mediador entre Deus e o homem.

Em determinada situação, a boca do crente é fechada por um senso de culpa, de forma que não pode olhar, nem falar com Deus sobre perdão e aceitação. Ele treme e fica confundido diante de Deus. Ele deita com rosto em terra e pensamentos desesperadores rolam como uma maré de agonia ao longo de sua alma. Ele fica sem palavras e só consegue gemer sua auto-acusação diante do Senhor. Numa hora dessas, como condição de elevar-se sobre essa tentação ao desespero, o crente precisa de uma revelação de Cristo como Defensor, como sumo sacerdote que vive para sempre para interceder em seu favor. Esta visão de Cristo capacitará a alma a entregar tudo a Ele nessa relação, a manter a paz e agarrar-se à firmeza.

Em outros momentos a alma é levada a tremer em vista de sua constante exposição a assédios de todos os lados, oprimida por uma sensação de absoluta impotência na presença dos inimigos, quase ao desespero. É hora de a alma conhecer Cristo como o bom Pastor que mantém um olhar constante sobre as ovelhas e carrega os cordeirinhos em seu seio. Ela precisa conhecê-lo como vigilante e guardião.

A alma também é oprimida pela sensação de vazio absoluto, sendo forçada a exclamar: "Sei que em mim, isto é, na minha carne não habita bem algum". Ela vê que não há vida, ou unção, ou poder, ou espiritualidade em si mesma. Nesse momento precisa conhecer Cristo como a videira verdadeira da qual recebe constante e abundante nutrição espiritual. Ela precisa conhecê-lo como a fonte da água da vida. Essas são as relações que satisfarão as necessidades da alma em cada transe da vida.

Que isto baste, como exemplo, para ilustrar o que se quer dizer por santificação plena ou permanente. Trata-se de algo condicionado à revelação e apropriação de Cristo em toda a abundância de suas relações oficiais.1

1 Entre esta Aula e a próxima, na edição de 1851, Finney incluiu em sua Teologia Sistemática várias aulas sobre a santificação e as relações de Cristo com o crente. Todas foram agrupadas no livro Principies of Union With Christ, publicado em 1985 por Bethany House Publishers. No total, são discutidas sessenta e três relações em formato devocional com o fim de auxiliar o crente a conhecer Cristo mais completamente como Salvador de todos os pecados e tentações.

 

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